Camaradas;
Transcrevo abaixo, dois documentos que versam sobre a MP 458/09, que por sua vez trata da regularização de terras ocupadas da Amazônia. Tal MP é, parcialmente, um retrocesso no processo de Reforma Agrária do nosso país. Por isso, trago ao conhecimento dos leitores deste blog.
Carlos Henrique.
Carta aberta ao Presidente da República
Brasília, 04 de junho de 2009
Exmo. Sr.Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República
Sr. Presidente,
Vivemos ontem um dia histórico para o país e um marco para a Amazônia, com a aprovação final,pelo Senado Federal, da Medida Provisória 458/09, que trata sobre a regularização fundiária da região. Osobjetivos de estabelecer direitos, promover justiça e inclusão social, aumentar a governança pública ecombater a criminalidade, que sei terem sido sua motivação, foram distorcidos e acabaram servindo parareafirmar privilégios e o execrável viés patrimonialista que não perde ocasião de tomar de assalto o bempúblico, de maneira abusiva e incompatível com as necessidades do País e os interesses da maioria de suapopulação.Infelizmente, após anos de esforços contra esse tipo de atitude, temos, agora, uma história feitaàs avessas, em nome do povo mas contra o povo e contra a preservação da floresta e o compromisso que oBrasil assumiu de reduzir o desmatamento persistente que dilapida um patrimônio nacional e atenta contra osesforços para conter o aquecimento global.O maior problema da Medida Provisória são as brechas criadas para anistiar aqueles quecometeram o crime de apropriação de grandes extensões de terras públicas e agora se beneficiam de políticasoriginalmente pensadas para atender apenas aqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardadospela Constituição Federal.Os especialistas que acompanham a questão fundiária na Amazônia afirmam categoricamenteque a MP 458, tal como foi aprovada ontem, configura grave retrocesso, como aponta o Procurador Federal doEstado do Pará, Dr. Felício Pontes: “A MP nº 458 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar porterra quinze anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal, no Estado do Pará, no combate à grilagemde terras”.Essa é a situação que se espraiará por todos os Estados da Amazônia. E em sua esteira virámais destruição da floresta, pois, como sabemos, a grilagem sempre foi o primeiro passo para a devastaçãoambiental.Sendo assim, Senhor Presidente, está em suas mãos evitar um erro de grandes proporções, nãocondizente com o resgate social promovido pelo seu governo e com o respeito devido a tantos companheirosque deram a vida pela floresta e pelo povo Amazônia. São tantos, Padre Jósimo, Irmã Dorothy, Chico Mendes,Wilson Pinheiro – por quem V. Excia foi um dia enquadrado na Lei de Segurança Nacional – que regaram aterra da Amazônia com o seu próprio sangue, na esperança de que, um dia, em um governo democrático epopular, pudéssemos separar o joio do trigo.Em memória deles, Sr. Presidente, e em nome do patrimônio do povo brasileiro e do nossosonho de um País justo e sustentável, faço este apelo para que vete os dispositivos mais danosos da MP 458,que estão discriminados abaixo.Permita-me também, Senhor Presidente, e com a mesma ênfase, lhe pedir cuidados especiaisna regulamentação da Medida Provisória. É fundamental que o previsto comitê de avaliação daimplementação do processo de regularização fundiária seja caracterizado pela independência e tenhaassegurada a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os segmentos representativos domovimento ambientalista e do movimento popular agrário.Por tudo isso, Sr. Presidente, peço que Vossa Excelência vete os incisos II e IV do artigo 2º; oartigo 7º e o artigo 13.Com respeito e a fraternidade que tem nos unido,
atenciosamente,
Senadora Marina Silva
Comissão Pastoral da Terra – Secretaria Nacional
Assessoria de Comunicação
NOTA PÚBLICA
Oficializada a grilagem da Amazônia
A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra, CPT, se junta ao clamor nacional diante de mais uma agressão ao patrimônio público, ao meio ambiente e à reforma agrária.
No último dia 4 de junho, o Senado Federal aprovou a MP 458/2009, já aprovada com alterações pela Câmara dos Deputados, e que agora vai à sanção presidencial. É a promoção da “farra da grilagem”, como se tem falado com muita propriedade.
Com o subterfúgio de regularização de áreas de posseiros, prevista na Constituição Federal, o governo federal, em 11 de fevereiro baixou a MP 458/2009 propondo a “regularização fundiária” das ocupações de terras públicas da União, na Amazônia Legal, até o limite de 1.500 hectares. Esta regularização abrange 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União, ou seja, terras devolutas já arrecadadas pelo Estado e matriculadas nos registros públicos como terras públicas e que pela Constituição deveriam ser destinadas a programas de reforma agrária. Desta forma a Medida Provisória 458, agora às vésperas de ser transformada em lei, regulariza posses ilegais. Beneficia, sobretudo, pessoas que deveriam ser criminalmente processadas por usurparem áreas da reforma agrária, pois, de acordo com a Constituição, somente 7% da área ocupada por pequenas propriedades de até 100 hectares (55% do total das propriedades) seriam passiveis de regularização. Os movimentos sociais propuseram que a MP fosse retirada e em seu lugar se apresentasse um Projeto de Lei para que se pudesse ter tempo para um debate em profundidade do tema, levando em conta a função social da propriedade da terra. O Governo, entretanto, descartou qualquer discussão com os representantes dos trabalhadores do campo e da floresta.
Esta oficialização da grilagem da Amazônia está chamando a atenção de muitos pela semelhança com o momento histórico da nefasta Lei de Terras de 1850, elaborada pela elite latifundiária do Congresso do Império, sancionada por D. Pedro, privatizando as terras ocupadas. Hoje é um presidente republicano e ex-operário quem privatiza e entrega as terras da Amazônia às mesmas mãos que se tinham apoderado delas de forma ilegal e até criminosa.
Esta proposta de lei, que vai para a sanção do Presidente Lula, pavimenta o espaço para a expansão do latifúndio e do agronegócio na Amazônia, bem ao gosto dos ruralistas. Por isto não foi sem sentido a redução aprovada pela Câmara dos Deputados de dez para três anos no tempo em que as terras regularizadas não poderiam ser vendidas e a regularização de áreas para quem já possui outras propriedades e para pessoas jurídicas. Daqui a três anos nada impede que uma mesma pessoa ou empresa adquira novas propriedades, acumulando áreas sem qualquer limite de tamanho. Foi assim que aconteceu com as imensas propriedades que se formaram na Amazônia, algumas com mais de um milhão de hectares, beneficiadas com os projetos da Sudam.
Ironia do destino, Lula , que em 1998 afirmou que “se for eleito, resolverei o problema da reforma agrária, com uma canetada”, ao invés de executar a reforma agrária prometida, acabou com uma canetada propondo a legalização de 67 milhões de hectares de terras griladas na Amazônia, um bioma que no atual momento de crise climática mundial aguda grita por preservação para garantir a sobrevivência do planeta.
O mesmo presidente que, em entrevista à Revista Caros Amigos, em novembro de 2002 dizia: “Não se justifica num país, por maior que seja, ter alguém com 30 mil alqueires de terra! Dois milhões de hectares de terra! Isso não tem justificativa em lugar nenhum do mundo! Só no Brasil. Porque temos um presidente covarde, que fica na dependência de contemplar uma bancada ruralista a troco de alguns votos” acabou sendo o refém desta bancada, pior ainda, recorreu à senadora Kátia Abreu, baluarte da bancada ruralista, inimiga número um da reforma agrária, para a aprovação da medida no Senado. Já cedera à pressão dos ruralistas aprovando a Lei dos Transgênicos. Não atualizou os índices de produtividade estabelecidos há mais de 30 anos atrás, o que poderia possibilitar o acesso a novas áreas para reforma agrária. Não se empenhou na aprovação da proposta de emenda constitucional PEC 438/01 que expropria as áreas onde se flagre a exploração de trabalho escravo. Além disso, promoveu à condição de “heróis nacionais” os usineiros e definiu como empecilhos ao progresso as comunidades tradicionais, os ambientalistas e seus defensores.
Lula que, com o Programa Fome Zero, teve a oportunidade de realizar um amplo processo de reforma agrária, transformou-o, porém, em um cartão do Bolsa Família que a cada mês dá umas migalhas a quem poderia estar produzindo seu próprio alimento e contribuindo para alimentar a nação.
Os movimentos sociais do campo, inclusive a CPT, vem defendendo há anos, por uma questão de sabedoria e bom senso, um limite para a propriedade da terra em nosso País. Mas o que vemos é exatamente o contrário. Cresce a concentração de terras, enquanto que milhares de famílias continuam acampadas às margens das rodovias à espera de um assentamento que lhes dê dignidade e cidadania, pois, como bem afirmaram os bispos e pastores sinodais que subscreveram o documento Os pobres possuirão a terra “A política oficial do país subordina-se aos ditames implacáveis do sistema capitalista e apoia e estimula abertamente o agronegócio”.
Goiânia, 09 de junho de 2009.
Dom Ladislau Biernaski
Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Maiores informações:
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